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Da crise à inovação: a história da empreendedora que resgatou o cacau no Tauaré

Com apoio do Sebrae, Cacauaré se consolida e busca reativar produção histórica de cacau em Mocajuba
Por Da Redação
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Advogada por formação, empreendedora por resistência. Noanny Maia faz parte da quarta geração de produtores de cacau e se inspira na cultura local para desenvolver um negócio que melhorasse não apenas a vida da família como a de todos na comunidade do Tauaré, comunidade ribeirinha localizada no município de Mocajuba que vive do agroextrativismo. Havia outras culturas no território, a família tentou iniciar um trabalho com o açaí, mas, viu que teria muitos desafios, a começar pela coleta. Como os avós eram produtores e o cacau já era um legado, uma vocação tanto da família quanto do território, onde o cultivo da fruta remonta ao século XVIII, consideraram que seria mais simples seguir por esse caminho.

A decisão de retomar a produção do cacau iniciada pelos avós e que havia sido abandonada por alguns anos veio após a morte do pai e a chegada da pandemia, quando a família voltou para o Tauaré e percebeu que precisava encontrar um meio de manter-se financeiramente.

“Até a época do meu avô, Mocajuba era uma cidade que tinha uma agricultura bastante desenvolvida, mas, por conta de várias crises políticas, econômicas e cenários de investimentos feitos localmente que não prosperaram, perdeu-se muito da presença da cultura do cacau. Para você ter uma ideia, a gente busca a identificação geográfica lá, mas, o argumento do IBGE é que nem se produz cacau mais naquela região. Na verdade, do meu avô para cá a gente perdeu tudo, espaço de mercado, capacidade técnica, enfim”, explica Noanny.

Foi nesse cenário de incertezas que surgiu a ideia de criar a Cacauaré. “Surgiu de uma brincadeira em casa, com os meus pais. A gente inventou uma bebida e apelidou ela de cacauaré, por causa do Tauaré. Porém, o mais interessante é que a gente realmente conseguiu dar um nome que faz jus ao propósito do nosso negócio. Em um dos troncos linguísticos do tupi, ‘ré’ significa exatamente origem, daquele lugar, daquele território. Enquanto negócio ele tem esse objetivo, de devolver à população de Mocajuba toda sua competência e capacidade de produzir cacau”, conta.

Noanny ressalta que a Cacauré foi pensada de forma coletiva, mas é um empreendimento cocriado todos os dias. “Hoje eu ocupo esse lugar de liderança, sim, porque alguém tem que liderar. Mas esse é um negócio compartilhado, entre nós (família) e também com a comunidade, entendendo quais são as necessidades das pessoas de fato. Hoje, quase 20 pessoas estão envolvidas diretamente na linha de produção da marca”, conta.

Como quase todo empreendimento, os primeiros passos à frente da Cacauaré foram bastante desafiadores. “O que eu mais senti e que me impactou foi que eu era muito desacreditada por todo mundo. Achavam que eu não ia dar conta de fazer, porque eu era advogada e nunca tinha mexido com cacau, não era da região e não entendia de agricultura. E esse discurso vinha de todo lado, do mercado, das instituições apoiadoras. Foi então que o Sebrae apareceu. Eles me pegaram pela mão e me ajudaram muito no começo”, relembra.

“Não cheguei madura, eu cheguei realmente crua nessa empreitada e o Sebrae/PA me modelou, tanto que fui campeã do prêmio Sebrae Mulher de Negócios de 2024. E eu tenho muito orgulho dessa trajetória que eu trilhei”, declara Noanny, que contou um pouco da experiência bem sucedida como empreendedora durante o Açaí Talks, programação da Casa Pará, que trouxe nesta sexta-feira (21) quatro mulheres que empreenderam em diferentes segmentos e encararam todos os obstáculos para realizar o sonho de ter seus próprios negócios.

Um dos momentos mais marcantes para a Cacauaré, conta Noanny, foi a participação no Festival Feira Preta, evento gastronômico voltado ao empreendedorismo negro e indígena. “Foi importante para entendermos onde nosso negócio se posiciona. Surgiu a pergunta: de que clube fazemos parte? Somos rurais, urbanos, pretos, moda? Quem somos?”, diz.

Embora seja uma marca de chocolates, a Cacauaré se posiciona politicamente. “Defendemos nossa ancestralidade, nosso território e nossa identidade preta, quilombola, ribeirinha e periférica da Amazônia. Isso é parte da premissa do projeto”, afirma.

A empresa se apoia em três pilares: sustentabilidade, inovação e protagonismo feminino. Para Noanny, discutir sustentabilidade implica reconhecer desigualdades. “Quando falamos de crises climáticas, quem sofre mais? A periferia. E, na Amazônia, essa periferia é majoritariamente preta, ribeirinha, quilombola e indígena”, observa ela.

A Cacauaré também se inspira na ancestralidade para criar seus produtos. “Pesquiso receitas tradicionais do cacau para desenvolver novas aplicações. Temos o cacau cerimonial, inspirado na bebida ritualística utilizada há milhares de anos pelos povos originários da América do Sul e Central, voltada ao bem-estar. Também trabalhamos doces introduzidos pelos portugueses, que trouxeram ingredientes como ovo e açúcar. Revisitamos essas receitas para dar a elas modernidade e encontrar novos mercados”, finaliza.

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